Vinícola flagrada com trabalho escravo no RS ostentava o selo "Great Place to Work"

Por Portal O Piauí em 27/04/2023 às 04:14:11

Essas contradições expõem o mercado de certificações e pactos empresariais e suas limitações para acompanhar o desempenho das companhias certificadas. Como pode uma empresa envolvida com trabalho escravo ostentar o selo “ótimo lugar para trabalhar”? Quanto vale o compromisso de combater a escravidão moderna assinado por alguém que se beneficia diretamente desse tipo de crime?

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Conhecida pela sigla GPTW e presente em mais de 90 países, a empresa Great Place to Work é vista no mercado como uma espécie de guia para quem quer entrar no mundo corporativo ou trocar de emprego para alavancar a carreira. Assim como a Aurora, empresas certificadas usam seu selo para recrutamento, propaganda institucional e anúncios publicitários.

Só neste ano, segundo seu site, a GPTW já certificou mais de 2.300 companhias no Brasil, o que teria “impactado” mais de 2 milhões de funcionários. No rol das certificadas estão grandes bancos, multinacionais e algumas das marcas mais conhecidas do país nos mais variados setores.

Após o flagrante de escravidão em Bento Gonçalves, a Great Place to Work informou à Repórter Brasil ter optado pela “suspensão temporária” da certificação da Aurora da relação de ótimos lugares para trabalhar até que haja um “desfecho oficial do processo investigativo”. Confira aqui a íntegra das respostas de todos os citados.

Serviço pode custar R$ 4,5 mil

Companhias que desejam receber o reconhecimento de “ótima empresa para trabalhar” precisam remunerar a dona da marca GPTW. Além do título, a empresa também vende serviços de consultoria às que querem melhorar o “clima organizacional” e o ambiente de trabalho.

O preço de um pacote de certificação oferecido pela GPTW pode chegar a R$ 4.500 por mês, a depender do tamanho da empresa. Esse valor remunera a aplicação de uma pesquisa de opinião aos funcionários, a inclusão da empresa-cliente no ranking de “melhores empresas” e a exposição da sua marca no site do GPTW, entre outros benefícios. O valor pago pela Aurora não foi informado pela certificadora, que salienta ainda que “o selo GPTW é concedido se, e somente se, determinados critérios de excelência pré-estabelecidos forem atendidos”.

Cooperativa Aurora publicou notícia em seu site comemorando certificação recebida no ano passado (Foto: Reprodução)

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Questionada sobre uma possível revisão em seus protocolos após o caso de trabalho escravo na Aurora, a GPTW disse que “não houve identificação de problema algum nos procedimentos” que levaram à certificação da vinícola como um bom lugar para trabalhar. Em nota, a Aurora disse esperar que a suspensão “seja superada o mais breve possível”. Confira aqui a íntegra das respostas de todos os citados.

ONU prega transparência, mas não informa medidas

Já a assessoria do Pacto Global da ONU afirmou repudiar “qualquer violação aos direitos humanos”, ressalvou que “não é um selo ou chancela”, mas não respondeu se iria suspender a Salton. Sobre os métodos de acompanhamento utilizados para avaliar se as empresas signatárias estão cumprindo seus objetivos, afirmou contar com “políticas de relatórios e processos de facilitação de diálogo”, fomentando a “transparência”.

Salton integra pacto que mira “erradicação do trabalho forçado” mas não se sabe se houve alguma penalidade após flagrante de exploração (Foto: Daniel Marenco/Repórter Brasil)

À reportagem, a Salton afirmou ter aderido ao Pacto em 2022 porque o documento “auxilia a empresa na integração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável à sua gestão”. Disse ainda ter notificado os responsáveis pela iniciativa sobre o flagrante de trabalho escravo no início de março. “A implementação de melhorias apresentadas ao Pacto Global e demais stakeholders [partes interessadas, em tradução livre] da empresa ocorrerá de maneira sistematizada por meio do plano de melhoria continuada que já está em execução”, diz a nota. Confira aqui a íntegra das respostas de todos os citados.

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A Salton também possui certificações ISO, voltadas para questões ambientais da produção, mas que não abordam direitos humanos e trabalho digno. “Está no plano de ação da empresa, seguindo uma estratégia corporativa, a implementação de uma certificação que envolva questões sociais”, informou a vinícola.

Penalidades podem trazer eficiência

Apesar das limitações do mercado de certificações, há uma tendência – fomentada em grande parte por europeus e americanos – que pode forçar um monitoramento mais acurado das cadeias produtivas por parte das empresas: a ampliação de multas e outras penalidades.

“Alguns mercados externos fecham as portas para empresas que não praticam a devida diligência, que é o acompanhamento minucioso de toda a cadeia. Então as companhias que são exportadoras começam a olhar essa questão com mais atenção do que uma que produz apenas para o mercado interno”, afirma Heidi Buzato, coordenadora social no Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), organização que atua na promoção do uso sustentável de recursos naturais.

Há exemplo disso no próprio episódio da escravidão na uva. Em março, após contato da reportagem da Repórter Brasil, a rede de supermercados El Corte Inglés, muito popular em Portugal e na Espanha, baniu de seu site as ofertas do suco Casa de Bento, produzido pela Aurora.

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