JORGE MELLO, PIAUIENSE E EX-PARCEIRO DO BELCHIOR, FALA SOBRE A MAIOR SAUDADE QUE SENTE DO PIAUÍ

Além de ter sido parceiro do Belchior, também foi sócio do cearense numa gravadora

Por Portal O Piauí em 27/12/2021 às 08:13:50

Natural de Piripiri, o cantor, compositor, instrumentista, maestro e advogado Jorge Mello, que foi sócio e principal parceiro do Belchior, mora hoje em um sítio no município de Embu-Guaçu, interior de São Paulo. Um verdadeiro paraíso entre lagos e a atmosfera da Serra do Mar.

No local, planta boa parte do que ele e sua esposa, Teca Melo, consomem. Convive em harmonia com a natureza. Sua casa vive cheia de animais selvagens, como quatis e macacos-guaribas, já que a residência fica no meio do mato e não tem muro de proteção. Alguns dormem sobre o teto de seu carro e outros assistem TV junto com ele na sala.

Direto desse paraíso, Jorge concedeu a entrevista ao projeto Eita Saudade do Piauí! e revelou qual a maior saudade que sente de sua terra. Disse que tem saudade do Açude Caldeirão, de ficar matutando com os amigos de Piripiri, da comida típica e das pescarias nos rios.

Disse que já adotou o local onde mora como seu Piauí, mas enfatiza que tem raízes profundas na terra natal, fazendo referência a um bilhete que recebeu das mãos de seu pai quando estava indo embora para Fortaleza com 15 anos de idade.


Jorge Mello e Belchior, quando estiveram em Teresina


O pai pediu para que só abrisse o bilhete quando parasse em algum lugar. Lá estava escrito: "Meu filho Jorge, não esqueça nunca tua terra, tua gente, e seja bom". Ele carrega a mensagem até hoje na bagagem, na contracapa de álbum premiado, e na maneira de encarar a vida.

A história do Jorge Mello se confunde com a de muitos garotos do Nordeste que começaram a trabalhar cedo e tiveram uma infância rica e cheia de incentivos para que pudessem andar com as próprias pernas. Confira, então, a entrevista. É emoção, do início ao fim!


Qual sua maior saudade do Piauí?

A maior saudade do Piauí que sinto é das pessoas e, também, dos lugares que fazem parte da minha memória infantil. O Açude Caldeirão, rio dos Matos, onde eu pescava e tomava banho. Eu e papai íamos para a beira do rio pescar a noite inteira. Era uma aventura, brincar como todo moleque. Outra grande saudade que tenho é da bodega do meu papai, na Praça do Mercado.

Eu era aquele menino que, desde os quatro anos de idade, já trabalhava na bodega, o que foi muito bom para a minha música, pois o papai vendia instrumentos musicais e quando ele saía, eu ficava tocando sanfona. Era um violãozinho ali, uma sanfona aqui e um bandolim acolá. Virei músico porque o papai tinha a bodega que vendia os instrumentos musicais.

Levava essa vida, até que um dia, eu, com oito anos, passei a ser um demonstrador. O papai falou: não trabalhe mais atrás de balcão não, meu filho. Bote esse tamborete lá fora e chame a freguesia, tocando.

Aí, eu ia lá e tocava das seis e meia da manhã até às cinco da tarde, concorrendo com os vendedores de cordel, com um monte de gente chegando e saindo, aqueles ônibus, caminhões; e eu naquele tamborete o dia inteiro tocando sanfona, até ir embora. Depois disso, fui embora muito cedo, buscando força e futuro para a minha música.


Você pretende voltar a morar no Piauí ou só virá a passeio?

Não! Eu voltarei sempre como visitante, como uma pessoa que vem para rever amigos, para mostrar a música e divulgar meu material. Eu já encontrei a minha paz aqui no mato onde moro, no interior de São Paulo. Já tenho isso aqui, desde 2004.

Convivo com os animais selvagens o dia inteiro. Eles entram em casa e sentam comigo na frente da TV. Minha casa não tem muro, não tem cerca, é só a mata e a casa. Aí vêm muitos quatis, jacus. Chegam bandos de 20 a 30 jacus. Nossa! Hoje, chegou uma tropa de macacos. Tem uns pequenos que vêm para comer minhas bananas.

O maiorzinho, que é conhecido como Guaribas aí no Piauí, aqui a gente chama de Bugio. O bugio dorme em cima do meu carro. Eles sobem e se abraçam uns aos outros e dormem. Têm muitos lagartos. Aqui atrás do meu acervo há lagartos de um metro e pouco.

Então, eu digo que já me aquietei por aqui. Aqui será o meu Piauí! Trabalhar, sim, eu vou, tantos shows apareçam que irei ao Piauí. A verdade é que aqui encontrei a paz. É onde planto tudo que como. Não como enlatados há muitos anos. Planto e colho a berinjela, a macaxeira, o tomate, o pimentão e as verduras.


Você tem uma história interessante envolvendo seu pai sobre o dia em que foi embora para Fortaleza. É uma história de muito significado em sua vida e para a relação com sua terra. O que o Piauí representa para você?

Bem, toda minha obra revela isso. Em 1976, eu recebi o prêmio de melhor disco do ano, no mesmo ano em que Belchior fez a música "Alucinação". O prêmio foi meu e de toda imprensa, dentre eles, o jornal O Pasquim, Estadão. O Belchior foi o cantor revelação do ano, o que significa um título maravilhoso.

O meu prêmio foi pelo melhor álbum do ano da revista Homem, da revista Amiga. Na contracapa desse disco tem um recado de meu pai para mim lá em Piripiri. O recado foi dado quando eu saí de Teresina e fui embora para Fortaleza, passando por Piripiri para avisar ao meu pai.

Eu tinha entre 14 e 15 anos de idade e falei: pai, estou indo embora para Fortaleza. Aí, ele disse: mas meu filho, você já saiu daqui para Teresina, e nesse tempo todo lá, você já quer se afastar mais da sua família?. Respondi a ele que estava indo em busca do meu caminho. E fui. Entrei na universidade, virei artista.

Naquele dia, meu pai colocou em minha mão um bilhete, e pediu para que eu não o lesse em sua presença, mas sim, quando eu parasse em algum lugar. Fui para Fortaleza, o bilhetinho enrolado, até que eu desenrolei o cordãozinho, e nele estava escrito: "Meu filho Jorge, não esqueça nunca tua terra, tua gente, e seja bom". Que coisa incrível!


Nesse meu álbum, dezenas de palavras que fazem parte das composições são sobre minha terra. "Trovão", "Novena", "Velho Vadio" e "A Chuva". Eu faço isso nas minhas obras sempre. Curtindo e reforçando essa saudade. No meu LP seguinte, uma das músicas chama-se "Moda Nova", que o refrão é "...no troca-troca lá de Teresina...". Eu morava na Casa dos Estudantes, aos 14 anos, quando vi os barcos embaixo da ponte Metálica.

Com isso veio a inspiração para escrever a música "Marinheiro", que trata sobre os navios do rio Parnaíba: "...foi no olhar da ponte que eu sonhei / e vi a cor barrenta da água do rio / até parece estrada de piçarra e barro / que em lugar de carro / só se vê navio...". Tem também as músicas "Embolada" e "Passo da Ema". Por isso, digo que as minhas obras revelam meu respeito e minha imensa saudade do Piauí.

Eu procuro cumprir o conselho do meu pai, seu Raimundo Borges, de nunca esquecer minha terra, minha gente, e de ser bom.



Tem outra saudade do Piauí que é marcante para você? A culinária do Piauí, por exemplo, ainda lhe cativa?

Outra grande revelação em relação ao Piauí é o estômago, o sabor, a comida. Eu não consigo comer as comidas daqui. Pizza, por exemplo, que é muito consumida em São Paulo, não é comigo. Por isso eu tenho meu sítio. Planto macaxeira, tomate, e tudo o que eu comia lá em Piripiri tirado do quintal da mamãe e do papai. Aqui tenho pé de Carambola e pé de Bacuri.

Quando vou à minha cidade, pego sementes, trago e planto aqui. O estômago não se trai, é sempre a comida da sua terra. Eu adoro panelada, adoro carne de sol. Não consigo comer coxinha de frango que vende em bar, que nem frango é, e sim uma massaroca. Não consigo comer massa, que é o tipo de comida paulistana mais popular. Não consigo.

Se trouxerem essas comidas aqui para casa, sirvo ao pessoal, peço desculpas e digo que comerei minhas comidas favoritas, que é bucho, buchada, baião de dois, que eu como todo dia. Adoro pé de frango, miúdos de todos os animais. O sarapatel do bode ou do boi. É isso o meu estômago, ele não se trai. Ele é da minha terra, sempre. O prazer de comer me acompanha quando tem o cheiro e o gosto do meu Piauí.


Como se sente no palco quando faz shows no Piauí?

Quando me chamam para cantar na região Nordeste e, principalmente no Piauí, em boa parte do meu show eu choro. Estou cantando para minha gente. Independente do local, seja no Theatro 4 de Setembro, Palácio da Música, casas noturnas, ou no Teatro João Cláudio Moreno, em Piripiri, me emociono ao ver minha gente sentada na plateia, e eu mostrando meu trabalho, minha obra, minha poesia e a minha música.

É uma saudade imensa. Se eu pudesse, estaria aí todo mês me apresentando, vendo as pessoas, conversando, matutando com o pessoal de rádio, matutando com os amigos e colegas, dos quais eu sei o nome completo de cada um da minha cidade.

Tenho muita saudade do time de futebol 4 de Julho e das brincadeiras. Muitas pessoas da minha terra ficam de longe me olhando, e perguntando se eu lembro quem ele é. Eu digo: "que é isso, cara? Lembro sim. Vem cá". Lembro-me de cada um como se fosse hoje, e é importante lembrar que saí de Piripiri há cerca de 60 anos.

Tem músicas dedicadas a sua terra?

Bem, falando de Piripiri, tenho dezenas de músicas gravadas. "Eu amo as noites de Piripiri, de Piripiri, de Piripiri / as tardes quentes de Piripiri, de Piripiri, de Piripiri...". Algumas canções românticas: "Numa cidade do interior", por exemplo, que foi gravada em um dos meus últimos CDs. Então, minha obra inteira é acompanhando a relação que tenho com o meu passado, minha terra, minha gente, como pediu meu pai. Tenho mais de 300 músicas gravadas, e feitas, mais de 2.000. (Mas esta parte está em outra reportagem)




Fonte: portalopiaui.com

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