Fabricante de agrotóxico letal a abelhas usou ex-servidor da Agricultura em lobby

O governo federal deve anunciar nesta quinta-feira (22) se restringe ou não o uso de um dos agrotóxicos mais letais para abelhas, o tiametoxam.

Por Portal O Piauí em 22/02/2024 às 02:10:20

Conhecida como “porta giratória”, a contratação de ex-servidores públicos por companhias privadas é uma das estratégias mais comuns do lobby em Brasília. Para obter vantagens em temas estratégicos, corporações recrutam funcionários de alto escalão do poder público para atuar do outro lado do balcão, defendendo as empresas.

Especialistas ouvidos pela Repórter Brasil não veem ilegalidade na prática do lobby, mas apontam falta de participação social no processo de decisão do governo federal, e temem que os órgãos públicos responsáveis pela criação de regulamentações, como a de agrotóxicos, acabem sendo capturados pelos interesses da iniciativa privada.

De acordo com Morassutti, o uso de informações privilegiadas pode gerar punições aos ex-funcionários do poder público . "Se ele teve acesso a informações privilegiadas, e se for comprovado que utilizou essas informações, ele pode ser punido", explica.

A Repórter Brasil  tentou contato com a Famagro por telefone, mensagens e e-mail, mas não obteve resposta. A Ourofino disse que a contratação de Maluf ocorreu após sua exoneração do Ministério da Agricultura. "No entendimento de ambas as partes, não houve conflito, especialmente pelo fato de a tramitação da reavaliação [do tiametoxam] ocorrer no Ibama", diz a companhia, em nota. Veja as respostas completas.

Embora o Ibama seja responsável pela análise ambiental do tiametoxam, a decisão de restringir ou não  o uso do agrotóxico cabe a uma comissão envolvendo não só o órgão ambiental, mas também a  Anvisa e o Ministério da Agricultura. A pasta enviou ao Ibama sua posição a respeito do tiametoxam, mas se recusou a informar à reportagem o conteúdo da manifestação.

Agendas

Tanto a brasileira Ourofino quanto a multinacional Syngenta – únicas empresas autorizadas a produzir agrotóxicos com tiametoxam no país – intensificaram suas visitas aos órgãos federais durante a fase final de reavaliação do tiametoxam. De março de 2023 a janeiro de 2024, foram registrados 16 compromissos das fabricantes com autoridades do Mapa, Anvisa e Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A maioria (13) aconteceu com representantes do Mapa.

As reuniões coincidem com decisões importantes do Ibama sobre a reavaliação do tiametoxam. Em 28 setembro, por exemplo, um dia antes de o Ibama abrir consulta pública sobre o tema, o Ministério da Agricultura se reuniu duas vezes com representantes das fabricantes. No mesmo dia, a Ourofino ainda marcou presença na Anvisa.

Para o advogado Bruno Morassutti, a participação e a tentativa das empresas de influenciar decisões fazem parte do processo. Porém, ele vê como problemática a falta de transparência sobre essas conversas, citando como exemplo a não apresentação de atas dessas reuniões. Ele critica também a falta de participação social nesses debates, já que organizações contrárias ao uso da substância não são convidadas a opinar.  A reportagem não identificou reuniões no Mapa com representantes de organizações que defendem restrições ao agrotóxico. 

Produto à base de tiametoxam, o Actara é um dos um dos carros chefes da Syngenta e pode ser encontrado nos mercados agropecuários por volta de R$ 300. (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Para Leonardo Pillon, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), há uma dificuldade de acesso aos órgãos do governo por parte da sociedade civil. "Essa diferença de acesso às agendas dos altos escalões é um sintoma dessa captura de parte do governo por setores econômicos com poder de influência".

O Mapa não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem sobre a possibilidade de conflito de interesses na relação com Maluf, nem sobre a falta de diálogo com órgãos da sociedade civil.

O processo de reavaliação do tiametoxam foi iniciado há dez anos pelo Ibama, após aumento de casos de morte de abelhas no mundo. Produtos contendo a substância foram proibidos na Europa em 2018, o que alçou o Brasil à condição de principal mercado da Syngenta. 

Em 2022, foram comercializadas 4.800 toneladas de produtos à base deste agrotóxico, segundo o Ibama. O mercado é controlado pela Syngenta, que lidera as vendas com produtos como o Actara, que é vendido ao consumidor final por cerca de R$ 300 o quilo. 

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