A Repórter Brasil teve acesso a dezenas de textos e áudios postados em grupos do WhastApp. Além das babás, nomes de cuidadoras de idosos também aparecem nessas trocas de mensagens. “Problemas com ronco”, “comilona”, “gordinha”, “dupla personalidade” e “mentirosa” são alguns dos fatores apontados pelas empregadoras para sugerir que não contratem determinada trabalhadora. Acusações de roubo, supostas passagens pela polícia – sem apresentação de prova alguma – também fazem parte dos motivos alegados pelas patroas na tentativa de colocar estas mulheres no ostracismo.
O impacto na vida de babás e cuidadoras de idosos que entram nessa lista é devastador. “Eu sai do meu último trabalho em dezembro, e imediatamente comecei a procurar outro. Todas as entrevistas que eu fazia, três, quatro por semana, eram bem produtivas, as patroas davam confiança, se comprometiam [com a contratação] e diziam que gostavam do meu trabalho”, recorda Joana*. Mas depois, silêncio, nenhuma resposta. “E foi assim em dezembro, janeiro, fevereiro Eu nunca fiquei tanto tempo sem trabalho”, revela.
Meses depois ela descobriu o que havia acontecido. “Uma colega me falou: ‘Olha, Joana, eu falei com minha patroa pra te ajudar, e ela disse que você não vai arrumar emprego mais porque está em uma lista de babás pra não contratar'”. Desempregada e sem perspectivas, Joana se viu encurralada. “Entrei em pânico, fiquei com depressão, não queria nem ver a luz do dia. Tenho 61 anos, estou para me aposentar. Na reta final ter que passar por isso É muito humilhante”.
Foi o conteúdo difamatório que chamou a atenção do MTE. “É importante coibir estas listas que são completamente ilegais e discriminatórias. Muitas vezes trazem comentários sobre a vida pessoal das trabalhadoras, e há risco de fake news, porque as informações não são checadas, são apenas passadas para frente”, observa a inspetora Santos.
Em vários casos, a cobrança por direitos trabalhistas serve de justificativa para a entrada na lista suja: “Jamais contratar! Mentiu que a mãe teve AVC e morreu, ficou semanas sem trabalhar e entrou na Justiça pedindo R$ 50.000”, diz uma mensagem. “Trabalhou 12 dias na casa de uma amiga e entrou na Justiça pedindo R$ 16.000 em verbas rescisórias sem motivo algum”, aponta outra.
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Na visão do Sindicato das Empregadas Domésticas do Município de São Paulo, além da difamação, a lista impõe uma perseguição política às trabalhadoras domésticas. “Os principais alvos são aquelas trabalhadoras mais informadas, que conhecem seus direitos. Aquelas que informam às colegas: ‘olha, você tem direito a hora extra, adicional de viagem, adicional noturno'”, avalia Zenilda Ruiz da Silva Silveiro, coordenadora jurídica da entidade.
Não é possível estimar quantas babás são atualmente vítimas das listas sujas. O Sindicato das Empregadas Domésticas do Município de São Paulo está coletando casos e provas, para acionar as empregadoras na Justiça. “O que estas patroas estão fazendo é crime. É calúnia, injúria, racismo, danos morais, falsa imputação de crime ”, acredita Silveira. Ela orienta que as profissionais afetadas procurem o Sindicato para obter auxílio jurídico. “É preciso lembrar que essas mulheres não podem ficar desempregadas. Muitas vezes são elas que sustentam suas casas, que pagam o aluguel. São as chefes de família”.
A origem da lista é desconhecida. Mas os primeiros indícios de sua existência vieram à tona em anos recentes, quando também houve aumento de denúncias por racismo, assédio moral e assédio sexual feitas à entidade. “Eu trabalho no sindicato há 40 anos. Nunca vi nada do tipo. O número cresceu algo em torno de 400% durante o governo de Jair Bolsonaro”, ilustra a dirigente.