Sabesp não divulga testes que apontam água contaminada em 132 cidades

Por Portal O Piauí em 09/05/2022 às 05:38:16

A Sabesp afirma que os testes revelados pelo Mapa da Água sobre a cidade de São Paulo são “casos pontuais” e como tal não indicam um problema. “O histórico das medições aponta a conformidade com os padrões de potabilidade e a qualidade da água fornecida pela Sabesp”. Dessa forma, “nenhum tratamento adicional se torna necessário no momento” além de “não demandar medidas corretivas nem alertas para a população” (respostas da Sabesp na íntegra).

Contaminação Contínua

Os casos em que a mesma substância violou o padrão ao menos uma vez nos três anos analisados ocorreu em 36 cidades paulistas, entre elas Diadema, Santos, Ubatuba, Guarujá e Lorena. Em todo o país, a contaminação contínua foi identificada na água de 82 cidades, e a Sabesp é responsável pelo problema em 45% delas.

Especialistas alertam que o consumo durante meses ou anos caracteriza a maior chance de risco para a população. “Três anos seguidos tomando água acima do padrão indica que a população está exposta à substância carcinogênica além do limite de risco "aceitável"”, afirma Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Kummrow explica que, como o consumo acontece em pequenas doses e de modo gradual, não há sintomas imediatos. Ou seja, não há como a origem da doença ser identificada pelos serviços de saúde. 

O maior problema nas águas da Sabesp começa no tratamento, quando o cloro ou outros desinfetantes se misturam com substâncias que já estão na água, como algas e esgoto, gerando os “subprodutos da desinfecção”.

O maior número de testes acima do limite na capital se deu justamente em reservatório que recebe despejo de esgoto sem tratamento: a represa Guarapiranga, responsável pelo abastecimento de cerca de 4,8 milhões de moradores da região metropolitana. As áreas de preservação ambiental que margeiam a represa são palco de ocupações irregulares onde não há coleta ou tratamento.

Esgotos clandestinos e o descarte impróprio ficam mais visíveis no meio do ano, quando as chuvas diminuem e os níveis do reservatório ficam baixos. Quando a temperatura aumenta, ocorre ainda a proliferação de algas. Esses elementos levam à formação dos subprodutos no tratamento.

Cercada de moradias sem coleta de esgoto, o sistema de tratamento da represa Guarapiranga registrou o maior número de casos acima do limite permitido da capital paulista (Foto: Sabesp/Divulgação)

Oito testes realizados no sistema Guarapiranga, entre 2018 e 2020, apontaram a presença de dois subprodutos acima do limite. Os ácidos haloacéticos e os trihalometanos apareceram fora do padrão em 17% dos testes realizados nesse sistema. Ambos são classificados como “possivelmente cancerígenos” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da OMS. Outros possíveis efeitos a longo prazo são problemas nos rins, fígado e sistema nervoso. 

Desde os anos 1970, cientistas conhecem os riscos dos subprodutos. Segundo artigo publicado na revista Environmental Pollution, há dois métodos para evitá-los: remover da água as substâncias que podem reagir com o cloro ou trocar o cloro por tratamento com radiação UV ou ozônio, entre outros métodos alternativos. Mas ambas as mudanças trazem custos adicionais. 

O problema é um desafio importante para a cidade de São Paulo, onde os dados do Atlas Esgotos, elaborado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, mostram que 32% do esgoto não tratado é jogado diretamente em rios e represas – alguns desses são os mesmos de onde sai a água que será tratada para consumo. 

Falta de transparência

Questionada pela reportagem se a empresa faz esse trabalho de separar o esgoto da água antes do tratamento, a Sabesp respondeu de forma genérica: “cada manancial possui características diferentes e, assim, cada estação de tratamento de água é projetada para ser capaz de tratar a água de seu respectivo manancial”. 

A empresa nega a importância dos testes acima do limite ao afirmar que monitora a qualidade da água com base no histórico, usando uma “média móvel” dos resultados. 

Por meio de nota, o Ministério da Saúde confirma o uso do histórico como um dos critérios para avaliação, contudo afirma que “violações ao padrão devem ser interpretadas como um evento perigoso e desencadear uma investigação”. Nesses casos, a empresa deve “comunicar imediatamente à autoridade de saúde pública municipal e informar à população abastecida, em linguagem clara e acessível, a detecção de situações de risco à saúde ocasionadas por anomalia operacional ou por não conformidade na qualidade da água, bem como as medidas adotadas” (respostas da Sabesp na íntegra).

Questionada pela reportagem, a Sabesp não informou quais medidas foram tomadas para corrigir os problemas nos casos em que os testes detectaram substâncias acima do limite na capital. A empresa também não respondeu aos pedidos para a reportagem acessar os dados completos do histórico e o cálculo da “média móvel”, ferramentas citadas pela empresa. “Não temos como precisar a partir de que ano adotamos a média móvel para essa avaliação interna e não temos como disponibilizar as médias móveis dos anos solicitados [2018, 2019 e 2020] pois esse critério não era formalmente estabelecido antes da publicação da nova portaria [de 2021]”, afirmou a companhia por meio de nota. 

Pirapora do Bom Jesus: água poluída com arsênio

Os esgotos não tratados da capital prejudicam ainda outros municípios. O caso mais famoso é o da cidade de Pirapora do Bom Jesus, cortada pelo Rio Tietê, que recebe toda a água poluída pelo esgoto e indústrias de São Paulo. Há mais de 30 anos, imagens de espumas de até 3 metros vindas do rio ganharam a imprensa. 

Contudo, não é só com as espumas gigantes que a população de Pirapora sofre. Dados do Sisagua mostram a presença de urânio, ácidos haloacéticos, chumbo e arsênio acima do limite, sendo que esse último aparece por 3 anos consecutivos. A substância é classificada como cancerígena pela OMS, e seu consumo prolongado na água aumenta o risco para câncer de pele, pulmão, bexiga e rins.

Espumas feitas pela poluição do Rio Tietê invadem a cidade de Pirapora de Bom Jesus em 2015 (Foto: Rafael Pacheco/Prefeitura de Pirapora do Bom Jesus)

Para a Sabesp, todos os casos de violação na água da cidade são pontuais, não tendo a necessidade de informar a população. Sobre a presença contínua do arsênio, a empresa diz que o problema “resulta da mistura de 90% de água recebida do Sistema Integrado Metropolitano com 10% proveniente de poços, que têm a presença natural de Arsênio, fruto da dissolução de rochas e minérios no lençol freático. Essa diluição garante a potabilidade, de modo que a presença desse parâmetro na água se mantenha dentro dos limites da Portaria de Potabilidade”. Em nota, a empresa conclui que “a água fornecida ao município de Pirapora de Bom Jesus atende à legislação, não havendo necessidade de informes à população local”.

A Vigilância Sanitária da cidade também afirmou que os testes apontados pelo Mapa da Água “referem-se a casos pontuais em 2018, não apresentando novas ocorrências no monitoramento até a presente data.” E complementou, usando as mesmas palavras que a Sabesp, para responder sobre a contaminação contínua por arsênio.

Confira na íntegra a resposta da Sabesp, Vigilância de Pirapora e do Ministério da Saúde.

Secretaria de saúde de São Paulo minimiza casos

A responsabilidade por fiscalizar as empresas de abastecimento é das secretarias municipais de saúde. Na capital, não é diferente. A secretaria paulistana confirma que a companhia usa o histórico de dados para avaliar a qualidade da água, mas a pasta afirma que “não teve acesso” ao cálculo. Ou seja, o órgão fiscalizador não tem informação suficiente para realizar o seu trabalho.

Sobre os testes fora do padrão, a secretaria de saúde minimizou o problema: “alguns foram encontrados ligeiramente acima do valor máximo permitido”. Nesses casos, segundo a pasta, a Vigilância acionou a empresa e o problema foi resolvido. O órgão também disse que os valores que excedem o máximo permitido “são extremamente pequenos e não representam riscos à saúde”.

Questionada sobre qual o critério usado para definir o que considerou “ligeiramente acima” ou “extremamente pequeno”, a pasta respondeu que “todos os valores apresentados com algarismos na ordem de centésimos, milésimos ou menores são arredondados e apresentam-se como satisfatórios”. Confira as respostas na íntegra da Secretaria de Saúde de São Paulo.

Essa tolerância para arredondar casas decimais não está prevista na regulação brasileira, afirma o professor do departamento de Hidráulica e Saneamento da Universidade de São Paulo Luiz Daniel. “Se definiram o valor máximo permitido, tem que ser sempre atendido”.

O problema da água contaminada com substâncias químicas acima do limite e da falta de transparência na comunicação aos consumidores atinge todo o Brasil. Em termos proporcionais, as empresas de abastecimento que mais tiveram problema com a qualidade da água foram a Cesan no Espírito Santo (6,8%) e a Cagece no Ceará (5,1%).

Empresas que fizeram menos de 1.000 testes nos 3 anos analisados não entraram na arte. Baixe aqui os dados completos de todas as empresas

Leia mais sobre a qualidade da Água em todo o Brasil em mapadaagua.reporterbrasil.org.br

Por trás do alimento

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de agrotóxicos. Clique para ler a cobertura completa no site do projeto.


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