Anvisa aprova mais um produto medicinal à base de Cannabis; e veja resolução do Conselho Federal de Medicina

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou nesta quarta-feira (1º) a autorização sanitária de mais um produto...

Por Portal O Piauí em 02/12/2021 às 07:10:51

A AgĂȘncia Nacional de Vigilância SanitĂĄria (Anvisa) publicou nesta quarta-feira (1Âș) a autorização sanitĂĄria de mais um produto à base de Cannabis. Trata-se de solução de uso oral contendo 23,75 miligramas por mililitro (mg/mL) de canabidiol (CBD), com até 0,2% de tetraidrocanabidiol (THC).

De acordo com a Anvisa, o produto, fabricado na Colômbia, deverĂĄ ser comercializado em farmĂĄcias e drogarias do Brasil por meio de receita médica do tipo B (de cor azul). Este é o oitavo produto à base de Cannabis aprovado pela agĂȘncia.

Prescrição

Ainda segundo a agĂȘncia, o canabidiol pode ser prescrito quando estiverem esgotadas outras opções terapĂȘuticas disponĂ­veis no mercado brasileiro. A indicação e a forma de uso são de responsabilidade do médico, sendo que o paciente deve ser orientado em detalhes sobre o uso.


Conselho Federal de Medicina

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DE RESOLUÇÃO 2.113/2014

O Canabidiol (CBD) é um dos 80 canabinóides presentes na planta Cannabis sativa (Canabis – Izzo et al., 2009) e não produz os efeitos psicoativos tĂ­picos da planta (Hollister, 1973; Martin-Santos et al., 2012).

Uma extensa revisão dos estudos de toxicidade e efeitos adversos do CBD, na qual foram avaliados mais de 120 trabalhos, a maioria em animais e poucos em humanos, sugere que este canabinóide é bem tolerado e seguro, mesmo em doses elevadas e com uso crônico (Bergamaschi et al., 2011). Todavia, não hĂĄ estudos suficientes em humanos que possam ser caracterizados como das Fases 2 e 3 dos estudos clĂ­nicos que comprovem sua segurança e eficĂĄcia. Os estudos existentes envolvem nĂșmero limitado de participantes de pesquisa.

Os estudos de toxicidade e efeitos adversos do uso continuado de CBD em humanos envolveram voluntĂĄrios saudĂĄveis, pacientes com epilepsia, pacientes com doença de Huntington, pacientes com doença de Parkinson e pacientes com esquizofrenia. Nesses estudos, as doses de CBD variaram de 200 a 1.500 mg (dosagem mais frequente de 800 mg), por perĂ­odos entre quatro e 18 semanas. As medidas de acompanhamento incluĂ­ram: testes bioquĂ­micos e laboratoriais de sangue, eletrocardiograma, eletroencefalograma, pressão arterial, frequĂȘncia cardĂ­aca, exame fĂ­sico e neurológico e relato subjetivo de sintomas adversos. Nesses estudos não foram encontradas alterações consistentes associadas ao uso do CBD a não ser alguns relatos de sonolĂȘncia com doses mais altas (Cunha et al., 1981; Carlini & Cunha, 1981; Consroe et al., 1991; Zuardi et al., 1995, 2006, 2009; Leweke et al., 2012).

O uso repetido do CBD, diferente do que ocorre com o THC (?9-tetra-hidrocanabinol), não produziu tolerância de seus efeitos, nem qualquer sinal de dependĂȘncia ou abstinĂȘncia em testes com camundongos (Hayakawa et al., 2007).

Ao lado desse perfil favorĂĄvel de efeitos adversos, nos Ășltimos 40 anos vĂȘm sendo acumuladas evidĂȘncias experimentais que apontam o CBD como uma substância com um amplo espectro de ações farmacológicas. Muitas dessas ações tĂȘm um potencial interesse terapĂȘutico em diversos quadros nosológicos, entre eles: a epilepsia, a esquizofrenia, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer, isquemias, diabetes, nĂĄuseas, câncer, como analgésico e imunossupressor, em distĂșrbios de ansiedade, do sono e do movimento, (para revisão ver Zuardi, 2008; Izzo et al., 2009). As evidĂȘncias de eficĂĄcia foram observadas em diferentes nĂ­veis, do pré-clĂ­nico em animais aos ensaios clĂ­nicos em pacientes, dependendo da cada doença estudada. Para as epilepsias refratĂĄrias da criança e do adolescente, existem evidĂȘncias em todos os nĂ­veis, até os ensaios clĂ­nicos controlados e duplo-cegos, todavia, com nĂșmero restrito de pacientes.

A epilepsia é um distĂșrbio cerebral que acomete em torno de 1% da população mundial (Schmidt, et al., 2012), prejudicando gravemente a qualidade de vida (Devinsky et al., 1995) e podendo provocar danos cerebrais, especialmente no perĂ­odo de desenvolvimento (Berg et al., 2012). Dentre os pacientes refratĂĄrios a tratamento se encontra um grupo especĂ­fico, correspondente às epilepsias da infância e da adolescĂȘncia refratĂĄrias aos tratamentos convencionais, tais como as encontradas nas SĂ­ndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut.

Na definição proposta pela International League Against Epilepsy, as epilepsias resistentes a tratamento são aquelas em que ocorre falha de resposta a adequado ensaio clinico com dois anticonvulsivantes tolerados e apropriadamente usados (seja como monoterapia ou em combinação) para alcançar remissão de crises de modo sustentado (Fisher RS et al. A practical clinical definition of epilepsy, Epilepsia 2014; 55:475-482).

A questão da definição de refratariedade aos tratamentos disponĂ­veis tem sido muito discutida e despertado grande interesse para a tomada de decisão quanto à indicação de cirurgias ablativas que, por sua natureza, são irreversĂ­veis. Nesse contexto, de acordo com Eliana Garzon, para se considerar um paciente com epilepsia intrata?vel de forma medicamentosa, o controle satisfato?rio das crises na?o poderia ser obtido com nenhuma das drogas anti-epilépticas (DAE), usadas isoladamente ou em combinac?a?o, ate? doses ou ni?veis subto?xicos. Sendo assim, a intratabilidade e? um conceito relativo que deve ser baseado na probabilidade de que o controle das crises na?o ocorrera? com outras drogas, uma vez que na?o se obteve controle satisfato?rio com algumas das DAE previamente usadas. Estudos em adultos e crianças sugerem que a probabilidade de remissão completa de crises não adequadamente controladas, após o uso de duas ou trĂȘs DAE consideradas potencialmente eficazes, é de 5% a 10%.

Apesar de um grande nĂșmero de drogas antiepilépticas, existe um consenso de que não ocorreram progressos substanciais no controle de crises epilépticas nos Ășltimos 40 – 50 anos, desde a introdução da carbamazepina e do valproato (Löscher & Schmidt, 2011; Beyenburg et al., 2010). Nos Ășltimos 30 anos foram introduzidas mais de 15 drogas antiepilépticas, de terceira geração, mas, ainda assim, 20 a 30 % dos pacientes com epilepsia não tĂȘm suas crises controladas por medicações (SillanpÀÀ et al., 2006; Brodie et al., 2012). Muitos desses pacientes tĂȘm indicação de neurocirurgia, que varia desde a retirada de parte de um lobo cerebral até completa hemisferectomia, na tentativa de controle das crises. Entretanto, muitos dos pacientes resistentes ao tratamento antiepiléptico também não preenchem os critérios clĂ­nicos para a indicação de cirurgia, e diversos dos pacientes operados não remitem completamente das crises.

Diante desse quadro fica clara a importância do desenvolvimento de novos tratamentos para a epilepsia, com drogas efetivas nos casos resistentes aos tratamentos disponĂ­veis, que apresentem menos efeitos adversos e que modifiquem a história natural da doença, protegendo dos danos cerebrais causados pela doença (Löscher et al., 2013).

O efeito antiepiléptico foi um dos primeiros efeitos farmacológicos do CBD, descrito em roedores por um grupo de pesquisadores brasileiros, no inĂ­cio dos anos 1970 (Carlini et al., 1973; Isquierdo et al., 1973). Até o momento, o CBD foi testado em 16 modelos de convulsões em animais, com resultados indicativos de efeito terapĂȘutico em 15 deles (Isquierdo et al., 1973; Carlini et al., 1973; Turkanis et al., 1974; Consroe & Wolkin, 1977; Consroe et al., 1982; Jones et al., 2010; Jones et al., 2012; Shirazi-zand et al, 2013).

O primeiro estudo prospectivo, duplo cego, controlado por placebo, foi realizado com 15 pacientes portadores de epilepsia de lobo temporal, com crises convulsivas secundariamente generalizadas, resistentes aos tratamentos habituais. Neste estudo, o CBD (200 a 300 mg/dia) ou placebo, foi adicionado à medicação que os pacientes vinham utilizando, por um perĂ­odo de até 18 semanas. Quatro dos oito pacientes tratados com CBD evidenciaram melhora significativa da sua condição, mantendo-se praticamente isentos de crises na maior parte do estudo. Outros trĂȘs pacientes, em tratamento com CBD, apresentaram melhora parcial em sua condição clĂ­nica e apenas um dos oito pacientes não mostrou melhora. Além disso, trĂȘs pacientes tratados com CDB mostraram melhora no eletroencefalograma (EEG). Entre os pacientes que receberam o placebo, apenas um melhorou, enquanto sete permaneceram inalterados. O CBD foi bem tolerado por todos os participantes (Cunha et al., 1980).

Depois dessa publicação, passaram-se mais de 30 anos, sem que outros estudos fossem publicados, a não ser dois resumos com informações incompletas.

Em 2013, foi publicado um estudo retrospectivo, com a aplicação de um questionĂĄrio a 19 pais de crianças com epilepsia resistente aos tratamentos habituais e que estavam sendo tratadas com um extrato de Cannabis, rico em CBD. Este estudo relatou que 83% deles relataram redução no nĂșmero de crises (Porter & Jacobson, 2013).

Um ensaio clĂ­nico aberto e prospectivo, do CBD em crianças e adultos jovens com crises convulsivas resistentes ao tratamento, vem sendo realizado, desde o final de 2013, no Centro Médico Langone da Universidade de Nova York e na Universidade da Califórnia em São Francisco. Foi divulgada uma anĂĄlise parcial deste estudo, com 27 pacientes, que completaram pelo menos 12 semanas de tratamento. Desses pacientes, o diagnóstico mais frequente foi sĂ­ndrome de Dravet (n=9). Os demais pacientes compreendem uma gama de epilepsias resistentes. Os pacientes eram predominantemente crianças com uma idade média de 10,5 anos. Todos os pacientes que participaram desse estudo foram observados por quatro semanas com a medicação que vinham fazendo uso, em média 2,7 medicações antiepilépticas (linha de base). Após esse perĂ­odo, passaram a receber o CBD (5 a 20 mg/kg/dia) durante pelo menos 12 semanas, em adição à medicação que recebiam na linha de base. A porcentagem de redução de crises na 12ÂȘ semana foi comparada com as quatro semanas da linha de base. A redução média da frequĂȘncia de crises em relação a frequĂȘncia das crises da linha de base foi de 44%. Uma redução de pelo menos 70% de crises foi obtida em 41% de sujeitos e 15% de todos os pacientes ficaram livres de crises. Para os nove pacientes com SĂ­ndrome de Dravet a redução média de crises foi de 52% (GW Pharmaceuticals, 2014).

Os dados de efeitos adversos do CBD, nesse estudo aberto, foram obtidos de 62 crianças (27 com pelo menos 12 semanas de tratamento e as demais com um tempo menor do que 12 semanas). Nenhum paciente foi retirado do estudo por efeito adverso. Também, nenhum dos eventos graves pôde ser associado ao uso do CBD em anĂĄlise realizada por investigadores independentes. Os efeitos adversos foram todos de intensidade leve ou moderada e os mais comuns (>10%) foram: sonolĂȘncia (40%), fadiga (26%), diarréia (16%), diminuição do apetite (11%), aumento do apetite (10%) (GW Pharmaceuticals, 2014).

Como observado anteriormente, os estudos existentes realizados em humanos envolvem nĂșmero limitado de participantes de pesquisa, não sendo suficientes para comprovar sua segurança e efetividade.

Em 2013 uma droga, que contem o CBD como seu ingrediente ativo recebeu a designação de Droga Órfã (DO) pelo FDA para o tratamento da sĂ­ndrome de Dravet - uma forma rara e grave de epilepsia infantil resistente a drogas. Sete estudos de acesso expandido foram concedidos pelo FDA, dos EUA, para o tratamento com esta droga (Epidiolex) em crianças que sofrem de sĂ­ndromes epilépticas intratĂĄveis.

Atualmente, as conclusões disponĂ­veis para a utilização do CBD permite inferir que: (1) somente as formulações farmacĂȘuticas de CBD que possam satisfazer as exigĂȘncias de produção e purificação, com padronização e controle de qualidade seriam adequadas para a administração em crianças; (2) estudos controlados com placebo devem ser realizados com urgĂȘncia, a fim de fornecer evidĂȘncias robustas a cerca da segurança e eficĂĄcia do CBD.

Desta forma, o uso do CBD fora do escopo experimental e compassivo somente poderĂĄ ser autorizado frente a dados cientĂ­ficos obtidos dentro das normas internacionais de estudos clĂ­nicos que venham a demonstrar de forma definitiva a segurança, efetividade e aplicabilidade clĂ­nica.

No entanto, é necessĂĄrio definir parâmetros para uso compassivo do canabidiol para tratamento da epilepsia da criança e do adolescente refratĂĄrios aos tratamentos convencionais de maneira que o uso da medicação seja o mais seguro possĂ­vel e permita o acompanhamento dos doentes.

Por todo o exposto fez-se necessĂĄrio à elaboração desta Resolução pelo Conselho Federal de Medicina visando normatizar o uso compassivo do CBD para casos refratĂĄrios de epilepsia e esquizofrenia, justificando esta classificação pelo fato de que os poucos estudos existentes referem-se mais a estas duas doenças.


https://portal.cfm.org.br/canabidiol/motivos.php


Fonte: AgĂȘncia Brasil

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