A Repórter Brasil teve acesso à íntegra da ação judicial movida pela Defensoria Pública da União contra a Brazil Iron. No texto, a DPU se baseia em um estudo realizado a pedido das comunidades e intitulado "Impactos nos Recursos Hídricos do Alto Rio de Contas pela Mineradora Brazil Iron em Piatã-Bahia". Concluído em junho de 2022, o documento registra com fotos e depoimentos da comunidade os impactos na nascente.
Em nota, a Brazil Iron afirmou que compreende a preocupação da comunidade em relação aos relatórios de pesquisa aprovados pela ANM, mas "assegura" que não haverá impacto sobre a nascente do Bebedouro. Diz ainda que mantém um "programa ativo de conservação das nascentes do entorno do empreendimento".
"Qualquer atividade futura obrigatoriamente seguirá a legislação vigente, que é cuidadosa com esse tipo de corpo hídrico, e respeitará todas as instruções dos órgãos reguladores, o que garante a preservação da nascente", afirma o texto.
Além da nascente assoreada, os quilombolas se disseram afetados de outras maneiras durante os anos em que a mineradora inglesa realizou perfurações e explosões para pesquisar a existência de minério na região.
As comunidades reclamavam do barulho provocado pelo uso de dinamites, das rachaduras nas paredes das casas e da poeira excessiva gerada pela movimentação de caminhões — o que teria provocado problemas respiratórios em algumas pessoas.
Quando estavam em Piatã, em março do ano passado, os jornalistas da Repórter Brasil foram até a sede da empresa para solicitar uma entrevista com algum porta-voz da mineradora sobre as queixas dos moradores.
No entanto, em vez de conversar com a equipe de reportagem, o então gerente de logística e atual vice-presidente da Brazil Iron chamou a polícia. O episódio provocou protestos de diversas entidades, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).
Depois da tentativa de intimidação da reportagem, o Inema fiscalizou as instalações da mineradora e decidiu interditá-la, em abril do ano passado. A medida foi justificada por ao menos 15 irregularidades, como a não previsão de recursos para a recuperação das casas rachadas na comunidade.
Na nota divulgada por sua assessoria de imprensa, a Brazil Iron minimiza os impactos e afirma que apenas três casas podem ser afetadas pela poeira da mineração, devido à topografia da região. "A empresa disponibiliza frequentemente caminhões-pipa para umedecer as vias, tornando essa tese ainda mais implausível", diz o texto.
A Justiça inglesa concedeu prazo até abril do ano que vem para o envio de um relatório com todos os danos que teriam sido provocados pela Brazil Iron aos quilombolas da Chapada Diamantina, explica o advogado Jonny Buckley, do escritório Leigh Day, que representa as comunidades no processo. Só assim poderá ser estipulado o valor de uma eventual indenização, caso o processo tenha continuidade.
Segundo Buckley, a ação corre na Justiça da Inglaterra porque as empresas controladoras da Brazil Iron estão sediadas naquele país. "Elas controlam o que acontece na Bahia", entende o advogado. Outro motivo, de acordo com Buckley, é a dificuldade de os quilombolas conseguirem acesso à Justiça no Brasil. "São comunidades rurais e remotas, e a mineradora tem muito poder, pois é a principal fonte de renda da região", avalia.
Duas quilombolas, Ana Joana Bibiana Silva e Leonisia Maria Ribeiro, entrevistadas pela Repórter Brasil em 2022, morreram nesse intervalo de tempo sem acesso a nenhum tipo de indenização. "Essas bombas do minério estrondam a casa todinha. Tem hora que até as coisas da casa a gente vê sacudindo. Eu estou com medo dela [a casa] cair. Eu tenho imaginação de estar dormindo e uma hora a casa despencar de vez", contou Leonísia, enquanto mostrava as rachaduras na parede.
A mineradora Brazil Iron é a subsidiária brasileira da holding inglesa Brazil Iron Trading Limited. Fundada após a aquisição de direitos minerários na Chapada Diamantina, em 2011, a empresa tem 45 pedidos de pesquisa mineral protocolados na ANM, espalhados por vários municípios da Chapada Diamantina.
Antes da interdição pelo Inema, a companhia tinha autorização para extrair 600 mil toneladas de minério por ano, ainda no estágio de pesquisa e exploração. "Foge do razoável esse tipo de ação, uma vez que a mineradora está sem operar há mais de um ano", diz a nota da empresa, em referência ao processo movido pelo escritório inglês.
Se conseguir voltar a operar, os planos, contudo, são ambiciosos. A empresa planeja erguer uma planta de pelotização (beneficiamento inicial do ferro) com capacidade para processar 10 milhões de toneladas por ano. Além disso, pretende construir uma ferrovia até o litoral baiano para exportar o minério. A previsão da empresa é investir cerca de R$ 16 bilhões, o que, segundo a assessoria de imprensa, geraria cerca de 50 mil empregos diretos e indiretos.